A cantora e compositora Maria Luiza dos Santos, a Maria da Inglaterra, um dos maiores ícones da cultura piauiense, vive dias difíceis em um bairro da periferia de Teresina. A cantora, que chegou a se apresentar no programa Domingão do Faustão e tem mais de 2.000 composições, convive com um nódulo na garganta que a impede de cantar desde 2011 e sobrevive apenas com a aposentadoria de um salário mínimo.
“Vivo porque vivo mesmo, mas não posso dizer que estou feliz. Hoje vivo na solidão. Não posso cantar e nem subir em um palco, a coisa que me deixa mais feliz na vida”, conta.
Maria, de 73 anos, que já foi descrita pelo musicólogo Ricardo Cravo Albin, como a “rainha da canção”, vive em uma casa inacabada no bairro Anita Ferraz, Zona Leste da capital. A residência conta com três cômodos, sendo dois com paredes rebocadas e um ainda apenas no tijolo. Somente a sala e uma pequena parte do corredor tem piso cerâmico, o restante ainda está no cimento bruto. A casa têm poucos móveis: um rack, uma televisão, uma geladeira pequena, fogão e alguns eletrodomésticos.
Os problemas financeiros e de saúde começaram em 2011 quando Maria começou a ter dificuldades para cantar. Até uma conversa mais prolongada a deixava com a voz baixa e cansada. A cantora conta que não viu resultado nos exames e tratamentos proporcionados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e por isso decidiu procurar hospitais privados. Foi-se o dinheiro e veio um resultado ainda insatisfatório, pois deixava o horizonte da volta aos palcos ainda fora de vista.
Há dois anos sem cantar e fazer shows, Maria viu suas últimas economias irem embora por conta do tratamento de saúde.
“Enquanto eu tinha um troquinho (dinheiro) na Caixa Econômica Federal, eu vivia de um aposento e desse dinheiro, mas de onde se tira e não bota, não rende. Hoje eu vivo com uma dificuldade grande. A coisa que eu mais sinto é porque minha doença não me deixou terminar minha casa. Consegui levantar a casa, cobri com telha, mas não tive condição de colocar o reboco, de colocar o piso nela toda. Isso dói! Penso no tanto que eu lutei na minha vida e hoje não vejo nada”, relata a artista com os olhos marejados e voz embargada.
Além de provocar sua derrocada econômica, a doença lhe tirou a paixão de sua vida: cantar. “Sabe quando você sente saudade da vida? Pois eu sinto. É muito bom ter seu modo de viver e viver daquilo. Quando você para, é o mesmo que uma pedra em cima do chão jogada dentro de um buraco. Eu me sinto rejeitada até pelos amigos. Antes eu tinha muitos, mas hoje são poucos que me ligam, como o Zé Dantas (amigo e empresário da cantora)”, diz.
José Campos Dantas é amigo, empresário e produtor de Maria da Inglaterra desde a década de 1980. “A conheci se apresentado no Teatro 4 de Setembro e na Feirinha de Artes. A Maria era festada pelo meio cultural como a grande revelação porque era uma artista popular que veio do nada, da pobreza, do analfabetismo, mas que, no entanto, fazia canções muito bonitas. Os intelectuais a colocaram lá em cima”, conta.
Para Dantas, por ser ingênua e analfabeta, a cantora sofreu com algumas pessoas que utilizavam sua imagem em benefício próprio e depois sumiam sem lhe dar o devido reconhecimento e até mesmo sua parte financeira.
“Políticos usavam a Maria, apareciam ao lado dela, usavam fotos com ela em época de campanha e prometiam fazer um disco dela, mas depois ninguém fazia nada. Não procuravam mais por ela e a deixavam de lado. Além do mais, a maioria das pessoas que se aproximaram dela com a intenção de administrar sua carreira era com más intenções. Captavam dinheiro em nome dela e não faziam o trabalho. É muito fácil enganar uma pessoa ingênua como ela”, afirma.
O produtor é direto sobre a situação atual da compositora. “Maria vive hoje em um estado de indigência”, crava.
As dificuldades enfrentadas pela compositora impressionaram a pessoa que deu o nome artítico para a compositora.
“Vejo essa situação de saúde e abandono pela qual passa a minha amiga Maria de Inglaterra com grande apreensão e com o coração muita apertado. Proponho e solicito, com veemência, que a estrutura pública do Piauí possa dar algum socorro, ou até mesmo todo o socorro, a essa grande, querida e necessária força telúrica do Piauí”, afirma o musicólogo Ricardo Cravo Albin.
O escritor, poeta e conselheiro do Conselho Estadual de Cultura, Cineas Santos, diz ver o abandono de Maria da Inglaterra com grande tristeza. “A nossa atitude é desrespeitosa em relação a ela. É uma cidadã que merece mais consideração, até porque ela dignifica e honra a cultura”, diz.
Fonte: Globo.com