21 de outubro de 2015

Radialista é condenado à prisão por transmitir missa em rádio comunitária no Sertão do Piauí

O radialista Severino Tomaz de Carvalho passa por uma das situações mais absurdas que já envolveu um comunicador e a Justiça no estado do Piauí. Ele foi condenado a dois anos de reclusão por ter transmitido missas da igreja católica de sua cidade, São Francisco de Assis do Piauí (a 500 quilômetros de Teresina), na emissora de rádio comunitária em que é diretor, a Serra FM.

Severino Carvalho: de trabalho comunitário no Sertão a condenado por agir em FM comunitária. Foto: Serra FM

Depois de quase oito anos de brigas judiciais a decisão condenatória de Severino Carvalho saiu no meio da semana. Dois anos de reclusão.
Seu crime? Transmitir as missas da igreja católica da cidade. Na época era a única instituição religiosa de São Francisco de Assis do Piauí (a cidade de menor IDH no estado e um dos cinco municípios piauienses com maior número de população rural).
O caso ocorreu em 09 de novembro de 2007. Nesse período a rádio Serra FM já era uma emissora legalizada.
Segundo sentença expedida pela Justiça Federal no Piauí Severino Carvalho cometeu crime de desenvolver atividade clandestina de telecomunicação, previsto no artigo 183, da Lei 9.472/97. A sentença, de oito páginas, foi assinada pelo juiz da 1ª Vara Federal do Piauí, Francisco Hélio Camelo Ferreira.
A decisão do magistrado foi uma provocação de uma fiscalização da Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações.
Severino Carvalho teria sido flagrado com um link (aparelho para transmissão de som de um lugar para outro) em uma fiscalização de membros da Anatel, da Unidade Operacional sediada na capital do Piauí.

Parte da sentença que condena radialista e explicita que foi por causa de transmissão em link. Foto: Reprodução

O comunicador foi multado pela Agência, alvo de inquérito na Polícia Federal, alvo de denúncias do Ministério Público Federal e condenado pela Justiça Federal pelo fato de ser o presidente da associação que mantém a rádio.
Em várias vezes Severino Carvalho foi ouvido sobre o caso. A última delas foi em uma audiência no final de agosto deste ano. Sua sentença o pegou de surpresa no meio deste mês. “Foi bem rápido, desde a última vez em que me ouviram e também porque fui condenado. Aqui a rádio só faz o bem”, reclamou.
O comunicador disse que não sabia que era crime transmitir uma missa através de um link. Esse aparelho sequer era da rádio. O link tinha sido doado pela Igreja Católica da cidade justamente para que as celebrações pudessem chegar às comunidades da zona rural, a maioria da população da cidade.
“Acontecia somente uma vez por semana. Era só uma missa por semana. O link era exclusivo para isso”, destacou o comunicador.
Na época fazer esse tipo de transmissão era crime. Atualmente não é mais. A emissora continua transmitindo a missa, mas dessa vez via cabo. São 600 metros de cabo entre a Igreja de São Francisco de Assis até a sede da Serra FM, ambas no Centro da cidade.
A Serra FM também tem programas das três únicas igrejas evangélicas da cidade. “Aqui todo mundo que procura tem espaço”, garantiu o diretor, complementado que também há programas dos dois únicos sindicatos do município: dos Servidores Públicos Municipais e dos Trabalhadores Rurais.

Severino Carvalho é um entre muitos dos comunicadores comunitários condenados no Piauí por tentar fazer trabalhos verdadeiramente comunitários e sociais. Foto: Reprodução

TRABALHO VERDADEIRAMENTE COMUNITÁRIO
A rádio Serra FM existe desde 1999. Ela é uma das primeiras rádios comunitárias do Piauí. E também foi uma das primeiras a ser legalizada. O trabalho da emissora já mereceu vários estudos acadêmicos, inclusive com a visita de pesquisadores de fora do País.
O trabalho da rádio também já foi estudado em cursos de Jornalismo do Piauí e fora do estado e também já virou trabalhos de Mestrado e Doutorado.

Rádio Serra FM. Severino Carvalho é de diretor a zelador da emissora. Foto: Orlando Berti/O Olho

Severino Carvalho começou seu envolvimento na emissora como ouvinte. Contribuía com a rádio fornecendo fitas K-7. Era um morador da zona rural que se apaixonou pela rádio e foi formado pela escola de comunicação da vida.
Desde 2004 assumiu o comando da rádio e hoje cuida da emissora muito mais que sua casa (que, por sinal, fica em frente à rádio) e a sua oficina mecânica de motos, que fica a poucos metros da emissora. Ele faz trabalhos de locução e até de faxina no pequeno prédio de dois cômodos da emissora. A rádio tem mais de 20 colaboradores. E é mantida por ajuda da comunidade.
No final do ano passado a rádio ficou fora do ar porque a antena foi derrubada em um vendaval. Em poucos dias a população da cidade se juntou e arrecadou o dinheiro para a compra da nova antena.
A rádio Serra continua sendo a única emissora radiofônica a funcionar em um raio de quase 60 quilômetros.
PADRE QUE COMPROU LINK ESTÁ REVOLTADO
O padre Geraldo Gereon, líder da Fraternidade São Francisco e na época pároco da igreja em que aconteceu a transmissão, está revoltado com a condenação do radialista. “Isso é um absurdo, a justiça parece ser cega de verdade. Condenam ladrão de galinha, mas esquecem os grandes”, disse o sacerdote na noite deste sábado.
Padre Geraldo, comprou o link. Revolta com condenação por causa da transmissão da missa. Foto: Orlando Berti/O Olho

“Não há motivos para ele ser condenado. A rádio faz um trabalho comunitário. A transmissão da missa é importante para ajudar na evangelização da população”, destacou o padre Geraldo.
Segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – mais de 75% da população da cidade de São Francisco de Assis do Piauí mora na zona rural. Em muitas localidades da cidade até hoje sequer há fornecimento de energia elétrica. A rádio Serra FM é o único meio de comunicação local e responsável pela emissão de avisos e interligação de parentes de outros estados com essa população.
Severino Carvalho disse que não se intimidará da condenação. Ele e amigos estão acionando advogados em Teresina e até fora do Piauí para entrarem com recursos e reverterem a situação. “A ABRAÇO (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias) já está sabendo. Prometeram dar apoio”, destacou Severino Carvalho.
“Posso até ter errado, mas não cometi pecado. Tenho consciência de que transmitir a missa e outros programas é ajudar na construção de um mundo melhor. Melhor que tocar música que não presta, que alienar o povo”, destacou o comunicador.
Na mesma sentença a Justiça Federal reverte a pena de reclusão em serviços comunitários. Durante dois anos Severino Carvalho, caso não recorra à decisão, terá de prestar serviços a alguma instituição pública municipal ou estadual. Ele diz que já faz isso diariamente com o trabalho da rádio.
Por: Orlando Berti, direto do Sertão do Piauí*
 Redação O Olho

Após 14 técnicos, Cacaio dribla a desconfiança e leva Remo à Série C

cacaio (Foto: Tarso Sarraf/O Liberal)Cacaio é um dos grandes responsáveis pelo acesso do Remo à Série C (Foto: Tarso Sarraf/O Liberal)

Nem tão rígido como Edson Gaúcho, experiente como Givanildo Oliveira ou estrategista como Flávio Araújo. Cacaio é daqueles treinadores mais calmos, que iniciou a carreira em 2005 e se destaca muito mais pela motivação. É claro que, para ser um técnico de futebol, o profissional precisa entender das variações técnicas e táticas, mas muitos que se diziam entendedores do assunto acabaram sucumbindo no momento de decisão ao comando do Leão. Cacaio é muito mais emoção do que razão. Talvez por isso foi o comandante ideal para tirar o clube paraense da última divisão nacional. Com uma linguagem acessível aos jogadores, no estilo boleiro, ele foi um dos grandes responsáveis pelo acesso azulino à Série C.
Cacaio conseguiu um feito perseguido por 14 treinadores desde o fim de 2008, quando o Remo foi rebaixado na Terceirona: Flávio Campos, Artur Oliveira, Sinomar Naves, duas vezes, Giba, Paulo Comelli, Givanildo Oliveira, Flávio Lopes, Edson Gaúcho, Marcelo Veiga, Flávio Araújo, Charles Guerreiro, Agnaldo de Jesus - interinamente, Roberto Fernandes e Zé Teodoro.
João Carlos Santos do Amaral, natural de Itaperuna, no Rio de Janeiro, foi apresentado no Remo no dia 31 de março. Saindo do Cametá, ele não tinha a missão das mais fáceis: vencer o Paragominas para não correr o risco de ficar fora das semifinais, garantir o Segundo Turno do Campeonato Paraense, além do título do Parazão, para, enfim, ter a vaga na Série D. Fora isso, de quebra, contornar a insatisfação dos jogadores pelos salários atrasados.
Cacaio comandou o Remo em 22 jogos, com 14 vitórias, quatro empates e quatro derrotas. No total, ele tem 69,6% de aproveitamento, o melhor entre os 14 treinadores que passaram pelo clube desde 2009.
Missão impossível? Não para Cacaio. O time venceu o Paragominas por 1 a 0, garantiu o primeiro lugar da Chave A, passou novamente pelo Jacaré na semi e comemorou a vitória diante do Paysandu na final da Taça Estado do Pará. Na grande decisão contra o Independente, deu Leão: 2 a 0, que garantiu o direito de representar o Pará na Quarta Divisão.
Porém, no caminho para a vitória sempre há espinhos, e uma semana depois Cacaio disputou a final da Copa Verde, que valia uma vaga na Copa Sul-Americana. Após vencer o Cuiabá por 4 a 1 no Mangueirão, os remistas foram goleados pelo placar de 5 a 1 no confronto da volta, no Mato Grosso. Naquele momento o trabalho do treinador era colocado em xeque, mas a diretoria apostou na continuidade para a competição nacional.
Com um grupo onde os maiores investimentos estavam no goleiro Fernando Henrique, no zagueiro Max e no meia Eduardo Ramos, o Remo confiou em atletas para a Série D que se destacaram no Estadual, exemplos do zagueiro Henrique, do volante Chicão e do atacante Aleílson. Depois do empate com o Vilhena na estreia, fora de casa, o Leão venceu Rio Branco e Náutico-RR em Paragominas-PA, e o Nacional em Manaus. 
Apesar dos resultados, Cacaio não era uma unanimidade no Baenão, e as desconfianças voltaram na derrota para o Náutico, em Roraima, clube que não ambicionava classificação na chave 1. Em uma conversa com os dirigentes azulinos logo em seguida, o treinador teria sido sincero e dito que, caso pensassem em mudança, aquele era o momento, fato não confirmado pelo clube. A decisão foi pela permanência do técnico, conseguindo uma nova vitória contra o Nacional, empatando com o Rio Branco e vencendo o Vilhena, terminando a fase de grupos na primeira colocação com 17 pontos.
Veio o primeiro mata-mata, aquele que, até então, o Remo nunca havia passado na disputa da Quarta Divisão. Perdedor no primeiro jogo contra o Palmas por 1 a 0, Cacaio foi criticado pela escalação do atacante Kiros, última contratação remista para a competição. Na volta, em Belém, o jogador foi mantido no time titular e marcou dois gols na vitória por 3 a 0 diante dos tocantinenses.
A grande decisão da Série D para o Remo não era a final do campeonato, mas as quartas de final contra o Operário-PR, fase que garantiria o acesso. Na primeira partida, em Ponta Grossa, interior do Paraná, Cacaio pegou todos de surpresa quando escalou a equipe com três zagueiros, teoricamente recuado. Segurando a pressão do adversário, o Leão trouxe para Belém uma vitória por 1 a 0.
Cacaio (Foto: Tarso Sarraf/O Liberal)Cacaio quer continuar no Leão para a temporada 2016 (Foto: Tarso Sarraf/O Liberal)

Na volta, no último domingo, diante de quase 35 mil pessoas, o técnico manteve o sistema com três zagueiros e escalou o meia-atacante Welthon - que em vários jogos sequer foi relacionado - como titular. Não dando espaços para os paranaenses, o Remo venceu por 3 a 1. Se os jogadores comemoraram o peso tirado das costas pelo acesso à Série C, imagina Cacaio que, entre outros motivos, ainda tinha que lidar com as desconfianças por ter sido ídolo do maior rival como jogador. Com a vaga à Terceirona, Cacaio, exímio artilheiro, pode ter marcado um dos seus gols mais inesquecíveis, dessa vez com a camisa azul marinho.
- Tenho contrato com o clube até o dia 15 de novembro deste ano. Minha intenção é de ficar, renovar, para fazer um trabalho planejado em 2016, mas temos que ver o que Deus tem reservado pra mim. Os jogadores bancaram, disseram que acreditavam em mim. Portanto, não tem recado pra ninguém e nem desabafo. Só tem comemoração – disse Cacaio após o jogo mais importante para o Remo nos últimos sete anos.
Por Belém