
Meirelles e Temer querem colocar o pacote em votação ainda neste ano
O que vamos fazer de mais importante é combater os privilégios. Tem muita gente no Brasil que trabalha pouco, ganha muito e se aposenta cedo”, diz uma das propagandas bancadas pelo governo federal na televisão, em nova tentativa de reduzir a ampla rejeição popular à reforma da Previdência.
Não, a peça não usa como exemplo a trajetór ia de Michel Temer, aposentado aos 55 anos como procurador do Estado de São Paulo. Hoje, ele tem direito a uma remuneração mensal de 45 mil reais, informa o Portal da Transparência do governo paulista.
Como o valor excede o teto do funcionalismo, ele recebeu 22,1 mil reais líquidos em outubro. O peemedebista não corre, porém, o risco de perder tais privilégios. As mudanças só valerão para quem entrar no serviço público após a aprovação da reforma.
Com um custo estimado em 20 milhões de reais, a nova campanha publicitária, produzida pelas três agências que atendem o Planalto (Calia, Artplan e NBS), aponta para os supostos privilégios que os servidores teriam na comparação com os trabalhadores da iniciativa privada.
A propaganda ignora as diversas alterações nas regras de aposentadoria do funcionalismodesde a promulgação da Constituição de 1988.
“A reforma do setor público está feita. Dentro de 25 ou 30 anos não haverá mais servidores em regimes anteriores, recebendo benefícios elevados, como é o caso de Temer”, afirma Floriano Martins de Sá Neto, presidente da Anfip, a associação nacional dos auditores fiscais.
De acordo com as projeções do próprio governo, incluídas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017, atualmente o déficit do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores corresponde a 1,1% do PIB. Em 2060, esse porcentual estará reduzido a 0,4%. “De forma ardilosa, o governo parece querer jogar a população contra o servidor, ora convertido no grande vilão da Previdência.”
No primeiro semestre, Temer despejou mais de 100 milhões de reais para tentar convencer a população dos benefícios das mudanças. Não logrou êxito. Oito em cada dez brasileiros rejeitam a reforma da Previdência proposta pelo governo, atesta a última rodada da pesquisa CUT/Vox Populi.
Diante da resistência dos parlamentares em aprovar o impopular pacote a menos de um ano das eleições, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aceitou um projeto mais enxuto, capaz de poupar 480 bilhões de reais em dez anos, segundo os cálculos palacianos, 60% da economia prevista no texto original.
Os números parecem tão suspeitos quanto o empenho do governo em aprovar, no Congresso, a Medida Provisória nº 795/17, que reduz impostos para as petroleiras até 2040 e geraria renúncia fiscal de 40 bilhões por ano, ou 1 trilhão em 25 anos, segundo um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.
“Isso representa mais de 20 anos da suposta economia que seria obtida com a reforma da Previdência”, afirma Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp. O especialista alerta para o risco de as receitas previdenciárias despencarem nos próximos anos.
Primeiro, em decorrência dos precários contratos autorizados pela reforma trabalhista, que devem reduzir a massa salarial sobre a qual incidem as contribuições para o INSS. Em segundo lugar, pelas exigências impostas ao trabalhador para se aposentar. As dificuldades são tantas que boa parte dos brasileiros deve migrar para a previdência privada.

Pela proposta do governo, haverá um aumento progressivo da idade mínima até 2038, quando será pré-requisito para a obtenção do benefício ter 65 anos, no caso dos homens, ou 62, para as mulheres. Há, porém, uma armadilha, convenientemente silenciada pela mídia, apoiadora da reforma desde o primeiro momento. A emenda aglutinativa em discussão cria uma espécie de gatilho, que permite ao governo elevar a idade mínima para a aposentadoria toda vez em que aumentar a expectativa de sobrevida dos brasileiros a partir dos 65 anos.
Entre 2015 e 2060, o IBGE projeta que a expectativa de sobrevida a partir dos 65 anos, em ambos os sexos, passará de 18,4 para 21,2 anos. “Isso significa que, a cada 15 anos, a idade mínima para se aposentar aumentará um ano automaticamente. É uma corrida de obstáculos, com o objetivo de dificultar ao máximo a concessão da aposentadoria”, resume Fagnani.
“Antes mesmo de chegarmos a 2038, é provável que o gatilho tenha sido acionado. Ou seja, aumentará em um ano a sobrevida na velhice e o brasileiro só poderá se aposentar aos 66 anos.”
Os formuladores da proposta de reforma frequentemente recorrem a comparações internacionais, notadamente com os países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em sua maioria de alto nível de desenvolvimento social, para sugerir a mudança nos parâmetros da Previdência no Brasil.

Com idade de referência superior a 65 anos, Portugal e Suécia permitem a aposentadoria a partir dos 57 e 61 anos, respectivamente. Detalhe: em todas as essas nações, vigora o Estado de Bem-Estar Social. Os cidadãos não precisam pagar um centavo para ter acesso a escolas, hospitais e serviços de assistência ao idoso de qualidade, mantidos pelo governo.
“Quem se retira do mercado de trabalho antes da hora terá uma grande redução do benefício, que pode chegar a 50% do valor da aposentadoria integral. Mesmo assim, muitos cidadãos europeus optam por descansar mais cedo, como é o caso de mulheres que desejam dedicar-se mais à família na velhice”, observa Milko Matijascic, doutor em economia pela Unicamp e técnico de planejamento e pesquisa pelo Ipea.
“Pode até ser interessante estimular a aposentadoria precoce quando há um elevado índice de desemprego entre os mais jovens. Foi o que a Alemanha fez nos anos 1970, após a primeira crise do petróleo.”
No Brasil, mais de 28% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos estão desempregados, segundo o IBGE. O especialista adverte, porém, ser preciso vedar a possibilidade de o segurado continuar trabalhando, caso o País opte por essa estratégia, descartada pelo governo.
- Às vezes, é preciso repetir o óbvio: o brasileiro não vive na Europa (Foto: Diego Herculano/AFP)
“Por aqui, o aposentado pode continuar trabalhando. Nos Estados Unidos, isso é proibido. Se um policial reformado continuar atuando com vigilância privada, ele corre o risco de perder o benefício. Essa restrição acaba por aumentar o número de vagas disponíveis para os mais jovens.”
A proposta do governo veda ainda a possibilidade de acumular aposentadoria e pensão por morte quando o valor total dos benefícios superar dois salários mínimos. O PSDB, que diz ter deixado a base de Temer, mas mantém três ministros no governo, manifestou objeção à rigidez da proposta. Propõe que o limite seja alargado para o teto previdenciário de 5.531 reais.
Se deseja aprovar a reforma, o Planalto terá de ceder, alerta o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. “Sem o PSDB, a gente sabe que é quase impossível chegar aos 308 votos necessários, se não é impossível.” Na quinta-feira 30, o parlamentar reconheceu a dificuldade de amealhar o apoio necessário para pautar o tema. “Não posso dar data porque não tem voto. Falta muito voto.”

No entanto, é preciso ponderar que o Brasil não oferece serviços públicos de qualidade à população”, emenda o especialista, pouco antes de lamentar a situação de penúria dos hospitais públicos, sobretudo no Rio de Janeiro, onde um homem de 63 anos morreu recentemente após cinco dias de espera por um exame. “Infelizmente, o Brasil está longe, muito longe do padrão de vida europeu. Se dificultar demais o acesso aos benefícios, o impacto social pode ser desastroso.”
Por Rodrigo Martins
Com informações da Revista Carta Capital
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