Escritor, dramaturgo, professor e político, Ariano Suassuna se encontrava mesmo era na arte, que considerava a sua “festa”. Do primeiro contato com o circo e com peças colegiais, no Sertão paraibano, até a diversificada biblioteca que encontrou em uma escola do Recife quando ainda era estudante do ensino fundamental, o menino franzino sempre apontou sinais de que seria um artista em sua essência, completo. Após 87 anos de vida e um legado inegável na literatura, no teatro, nas artes plásticas e até na música, o Brasil se despede de um dos maiores ícones da cultura nordestina nesta quarta-feira (23).
Filho de João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, na época governador do estado da Paraíba, e Rita de Cássia Dantas Villar, Ariano Villar Suassuna nasceu no dia 16 de junho de 1927, no Palácio da Redenção, na cidade da Parahyba, atual João Pessoa. O oitavo filho do casal passou seus primeiros anos em meio a uma situação política conturbada – o Brasil vivia os momentos que antecederam a derrubada das oligarquias, com a Revolução de 1930.
A instabilidade social em que o país estava mergulhado iria deixar marcas que seguiriam em Ariano por toda a sua vida. Político influente em todo o Nordeste, em 1928, João Suassuna decide se mudar para a Fazenda Acauhan, no Alto Sertão paraibano, para evitar seus inimigos de poder. Na trajetória para encontrar paz, a família chegou a passar um ano na cidade de Paulista, no Grande Recife. Porém, em 9 de outubro de 1930, em uma viagem ao Rio de Janeiro, o pai de Ariano foi assassinado com um tiro pelas costas.
A saudade até do que não conseguiu compartilhar com seu pai perseguiu Ariano para sempre. Em entrevista dada ao jornalista pernambucano Geneton Moraes Neto, do canal Globonews, veiculada em 15 de junho de 2013, o escritor revelou que ainda buscava perdoar os assassinos de seu pai – possivelmente morto devido à rivalidade política com João Pessoa, então governador paraibano, candidato a vice-presidente da República e assassinado em junho de 1930, no centro do Recife. Mesmo com apenas três anos de idade quando o crime aconteceu, as memórias permaneceram na mente de Ariano.
“A última vez que vi meu pai foi no cais do Recife. A gente veio trazer meu pai para ele ir ao Rio – onde foi assassinado. Só me lembro desse momento: ele já no navio, mamãe me apontando. Eu não via. De repente, enxerguei: meu pai estava emoldurado pela janela do navio – dando [adeus] com a mão. Aquela foi a última vez que o vi”, disse o escritor na ocasião.
Viúva e mãe de nove filhos, Rita Suassuna passa a morar em Taperoá, Sertão da Paraíba, a cerca de 240 km de João Pessoa. Na cidade, Ariano fez seus primeiros estudos e teve o primeiro contato com a arte teatral, com o circo e pequenos eventos. Em 1937, já com 10 anos, o escritor se muda para o Recife, onde torna-se interno do Colégio Americano Batista – apenas cinco anos depois, toda a família Suassuna passa a viver na capital pernambucana.
Aos 12 anos, Ariano começa a nutrir o desejo de se tornar um escritor, quando faz o seu primeiro conto. Entretanto, apenas em 1945 Ariano tem publicado o seu primeiro texto, o poema "Noturno", no Jornal do Commercio, do Recife. O poema foi enviado ao jornal, em segredo, pelo professor de Suassuna, Tadeu Rocha, que havia percebido ali um talento. Nesta época, os textos de Ariano eram ilustrados pelo seu amigo Francisco Brennand, que mais tarde se tornaria um dos mais renomados artistas plásticos do Brasil.
Após terminar os estudos secundários, Ariano passa a estudar na Faculdade de Direito do Recife. Junto aos anos de formação como advogado – profissão que ele detestava –, Suassuna se firmou no campo da arte. Em 1946, no Teatro de Santa Isabel, no centro da capital, acontece o que ele considerava sua primeira aula-espetáculo. Dois anos mais tarde, Ariano escreve sua primeira peça teatral: "Uma mulher vestida de sol", ganhando o prêmio Nicolau Carlos Magno. Nesse mesmo ano, conhece sua futura esposa, Zélia de Andrade Lima, no centro do Recife.
O alcance da cultura nordestina
Com quatro anos de formado, em 1954, Ariano Suassuna abandona a carreira de advogado e se dedica inteiramente ao ofício de artista. "Queimei os livros de direito. Foi uma coisa simbólica, não queria mais nada com direito", contou o escritor em entrevista ao Jornal da Globo, em 2007. Um ano depois, ele escreveria um dos seus maiores clássicos: "O Auto da Compadecida", texto baseado em três narrativas do romanceiro nordestino.
Na primeira encenação, no Teatro de Santa Isabel, no Recife, em 1957, a peça não teve sucesso de público. Suassuna, então, levou o Auto da Compadecida para participar de um festival de estudantes no Rio de Janeiro, no Teatro Dulcina, centro da cidade. A obra ganhou o primeiro lugar e explodiu nacionalmente com o sucesso. Em toda a sua trajetória como escritor, a obra é considerada a mais famosa, devido às adaptações para a televisão e o cinema.
Com o reconhecimento que ia conquistando, Ariano começou a escrever, em 1958, aquele que considera o seu melhor livro: o “Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta”, que só foi concluído em 1970. Na época, Suassuna já havia se tornado professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro-fundador do Conselho Nacional de Cultura, além de ter começado a articular o Movimento Armorial, que defendeu a criação de uma arte erudita nordestina a partir de suas raízes populares.
A data que marcou o início de fato do movimento foi 18 de outubro de 1970. Na Igreja São Pedro dos Clérigos, no centro do Recife, foi promovido o concerto "Três séculos de música nordestina - do Barroco ao Armorial" e inaugurada uma exposição de gravuras, pinturas e esculturas.
A data que marcou o início de fato do movimento foi 18 de outubro de 1970. Na Igreja São Pedro dos Clérigos, no centro do Recife, foi promovido o concerto "Três séculos de música nordestina - do Barroco ao Armorial" e inaugurada uma exposição de gravuras, pinturas e esculturas.
Em entrevista à Globo Nordeste em 2006, Ariano falou sobre o que o motivou a criar um movimento artístico de resgate da arte genuinamente brasileira. “Eu comecei a ficar preocupado com o processo de vulgarização e descaracterização da cultura brasileira. O processo hoje que infelizmente está em curso. Por isso, o Armorial continua atual e atuante. Essa luta não pode parar. Vejo os melhores artistas brasileiros deixados de lado e trocados por lixo cultural que vem de fora e nos é empurrado por goela abaixo. Por essa preocupação, resolvi reunir um grupo de artistas de todas as áreas e que tivessem preocupações semelhantes às minhas, para, juntos, procurarmos uma arte brasileira erudita fundamentada na raiz popular da nossa cultura”, destacou.
Quatro anos após a criação do Movimento, o grupo instrumental Quinteto Armorial lança seu primeiro disco: "Do romance ao galope nordestino". O quinteto era formado pelos músicos Antônio José Madureira, Antônio Carlos Nóbrega, Fernando Torres Barbosa, Edilson Eulálio e Egildo Vieira e foi sucesso de crítica na época.
Política e reconhecimento
Em 1975, Ariano começou a ter contato direto com a política, tornando-se secretário de Educação e Cultura da cidade do Recife. Dentre seus feitos, está a fundação do Balé Popular da capital pernambucana. Nos anos seguintes, Suassuna chegou a escrever alguns livros de poesia, como “Sonetos com mote alheio” (1980), “Sonetos de Albano Cervonegro”, e outras peças de sucesso, como “As conchambranças de Quaderna”.
Após 32 anos nas salas de aula, Suassuna se aposentou do cargo da UFPE, em 1989. O período também ficou marcado pelo reconhecimento nacional do escritor – Ariano tomou posse na cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro, em 1990. Três anos depois, foi realizada, na cidade de São José do Belmonte, Sertão de Pernambuco, a primeira festa da Pedra do Reino – uma cavalgada em que os participantes usam trajes como os descritos no romance de Ariano Suassuna.
Nos anos 1990, Ariano se tornou figura pública ainda mais conhecida, com as adaptações de “Uma Mulher Vestida de Sol” (1994) e “O Auto da Compadecida” (1999) para a Rede Globo de Televisão – a segunda obra ainda virou filme em 2000, dirigido pelo pernambucano Guel Arraes e sendo um dos maiores sucessos de bilheteria e crítica do cinema nacional. Em 2006, "A Pedra do Reino" também virou série de televisão, dirigida por Luiz Fernando Carvalho – as cenas foram gravadas em Taperoá e reuniam mais de 200 pessoas.
Como político, Ariano foi nomeado, em 1995, secretário estadual da Cultura pelo então governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Em 2007, assumiu novamente a função no primeiro governo de Eduardo Campos. O último cargo ocupado foi o de secretário-chefe da assessoria especial do governo de Pernambuco, em 2011.
Como político, Ariano foi nomeado, em 1995, secretário estadual da Cultura pelo então governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Em 2007, assumiu novamente a função no primeiro governo de Eduardo Campos. O último cargo ocupado foi o de secretário-chefe da assessoria especial do governo de Pernambuco, em 2011.
O legado que Ariano Suassuna deixou para o Nordeste e para o Brasil é inegável. Ele transformou o “matuto” do interior em estrela máxima de cinema e criou universos mágicos em meio à seca e à pobreza do Sertão nordestino. Ariano foi apaixonado por sua terra, pelo seu país, e, até os últimos dias, militou pela arte de qualidade, ao alcance de todos os brasileiros. Uma vez, ele respondeu o que ele preferia: a vida ou literatura. Para Ariano, uma não se desvencilhava da outra. “Para mim, não tem diferença, porque escrever foi a maneira que encontrei para enfrentar essa cruel, às vezes, injusta, mas também fascinante e bela tarefa de viver".
Vitor TavaresDo G1 PE
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