20 de fevereiro de 2018

Intervenção federal: um conveniente impedimento da reforma da Previdência

intervenção federal militar no RJRodrigo Maia, Michel Temer, Luiz Fernando Pezão e Raul Jungmann durante assinatura de decreto para intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeiro.  AFP

A decisão do presidente Michel Temer de decretar uma intervenção federalinédita na segurança pública do Rio de Janeiro até o fim de 2018 pode enterrar de vez a possibilidade da reforma da Previdência ser votada neste ano. Isso porque, enquanto a intervenção vigorar, nenhuma alteração na Constituição poderá ser feita, inclusive as propostas de emenda constitucional (PEC) como a da mudança da aposentadoria.

A oposição defende, no entanto, que a medida foi exatamente calculada para criar uma cortina de fumaça em relação à Previdência, já que há meses o Planalto e seus articuladores políticos não conseguem angariar os votos mínimos (308) para aprovação da PEC, proposta que Temer elegeu, com a bênção do mercado financeiro, como sua prioridade desde que assumiu a Presidência, mas que estava fadada ao fracasso caso fosse votada até o fim de fevereiro, como programado. "Eles estavam derrotados na Previdência, então precisam fazer um giro de agenda. Sair de uma reforma impopular para uma emergencial, apoiada pela população, diante de uma visão de caos no Rio de Janeiro. A intervenção federal agora vai dominar a pauta do Congresso e da mídia", afirmou ao EL PAÍS o deputado do PSOL Ivan Valente.
Em discurso logo após a assinatura do decreto da intervenção federal, Temer fez questão de ressaltar, entretanto, que, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), darão continuidade à tramitação da reforma da Previdência. "Quando ela estiver para ser votada - segundo a avaliação do Legislativo -, farei cessar a intervenção. O trabalho de segurança federal no Rio será mantido sem alteração durante esse período", afirmou o presidente justificando que a reforma é importante para o futuro do país.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, também reforçou a fala do presidente e disse, em coletiva de imprensa nesta sexta-feira, que o processo de negociação sobre a mudança da previdência não será paralisado. "Quando chegar o momento da votação da reforma, o presidente Temer irá suspender a intervenção, mas irá decretar Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ampliada no Estado. Assim que a votação acabar, será decretada novamente a intervenção, que será novamente levada ao Congresso", completou.

Dúvidas legais

Para suspender os efeitos da intervenção, o presidente precisaria editar um novo decreto, o que demandaria uma nova votação do Congresso e uma maioria absoluta na casa. Alguns especialistas e juristas defendem, entretanto, que a revogação do decreto pode ser considerado inconstitucional.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que planeja recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso o Governo siga com o plano de suspender o decreto para a votação da reforma da Previdência. "Com a Constituição não se dá jeitinho. O decreto tem seu começo e seu fim, não existe suspensão de decreto, não existe essa modalidade", disse o senador ao jornal O Estado de São Paulo. Para o senador, a razão do decreto não está ligada à preocupação com o Rio de Janeiro e sim um "artifício" para uma derrota inevitável que seria a reforma da Previdência. 
Rodrigo Maia foi um dos políticos que defendeu o presidente das acusações da oposição. "Não acho que uma coisa tem relação com a outra. Decisão de decreto só tem um objetivo: garantir mínimo de segurança para população do Rio", disse o parlamentar. O presidente da Câmara reconheceu, entretanto, em coletiva de imprensa, que a votação do decreto da intervenção no Rio complica votar a reforma da Previdência nas próximas semanas. "Se votar o decreto da intervenção dia 21, vai ser difícil votar a Previdência até o dia 28. Não dá para num dia votar o decreto, e no outro dia suspender".
Na opinião do professor da FGV-SP Marco Antonio Teixeira, a decisão de declarar a intervenção não foi calculada para apagar os holofotes da reforma da Previdência, mas gera um efeito conveniente para a gestão de Temer. "É uma forma do Governo perder sem parecer que foi derrotado. Na retórica, o que ele tá fazendo é adiar o embate, em um momento que já circulavam boatos que Maia preparava um discurso para engavetar a proposta por falta de votos", diz o cientista político. 
Ao declarar a intervenção, Temer também fornece uma resposta popular ao problema de segurança em um Estado em que o emedebista tem seus piores índices de impopularidade e onde o presidenciável  Jair Bolsonaro surfa na crise com a retórica da segurança e dos militares para ganhar votos, segundo Teixeira. "O Governo trouxe esse discurso para o campo dele. Temer está concorrendo com a retórica do Bolsonaro, mas obviamente se isso fracassar os dois perdem o discurso. É uma jogada de risco", conclui.
Por Heloísa Mendonça
Com informações do Jornal El País

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