16 de novembro de 2014

Cada vez mais distante do narcotráfico, o futebol colombiano tenta ressurgir sem o dinheiro dos cartéis

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James Rodríguez liderou a Colômbia em sua melhor campanha em Copas, em 2014
FOTO: REUTERS
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Valderrama foi o símbolo de uma das gerações mais brilhantes da Colômbia, que chegou como destaque no Mundial-1994, mas foi eliminada precocemente
Vivendo dias amenos de uma guerra civil que completa 50 anos em 2014 e lutando para desmobilizar o narcotráfico, a Colômbia ainda convive com as feridas abertas deixadas por conflitos sociais e com as marcas dos cartéis de drogas. Em meio a isso, o futebol colombiano tenta se reerguer tendo como mote o lema nacional: liberdade e ordem.
Após se engrandecer com o apoio de traficantes e declinar com o combate aos grupos criminosos, o esporte ganha sobrevida de maneira limpa e com suas próprias pernas.
Ao longo de toda a história, a modalidade no país é marcada por fatos que fogem ao habitual. Em um período em que o profissionalismo engatinhava, a Colômbia, por meio de uma “Liga Pirata”, peitou a Fifa, ignorou regras de transferência e teve um dos principais campeonatos do mundo, com os maiores jogadores da época, como o lendário argentino Alfredo Di Stéfano.
O ‘El Dorado’ colombiano, não durou muito e, já no início dos anos 1950, os atletas cruzaram o Atlântico rumo ao Real Madrid e Barcelona. A lacuna deixada logo foi preenchida. Nas décadas de 1960 e 1970 o dinheiro deixou de sair de contas de empresários e passou a fluir dos bolsos de poderosos narcotraficantes, guerrilheiros e paramilitares endinheirados.
Os carteis, que dominavam o país, agora, comandavam também o futebol. 
‘Narcofutebol’ 
“Pela segunda vez na história a Colômbia passava a ter alguns dos clubes mais ricos do mundo. A explicação era simples: os traficantes gostavam de futebol, formar um clube poderoso dava projeção e, principalmente, era uma maneira fácil de lavar dinheiro, muito dinheiro”, destaca o jornalista inglês Tim Vickery.
Com tamanho aporte, frutos não demoraram para serem colhidos. O país nunca havia sido representado em uma final da Taça Libertadores da América, até que, em 1978, o Deportivo Cali alcançou o vice-campeonato, marca repetida pelo América de Cáli em três anos consecutivos: 1985, 1986 e 1987.
Os Diabos Vermelhos eram o “braço futebolístico do Cartel de Cáli” e financiado por Gilberto Rodríguez Orejuela, principal líder da organização criminosa, como ressalta o historiador cearense Airton de Farias no livro ‘Uma História das Copas do Mundo: futebol e sociedade’.
Apesar da posição internacional conquistada pelo América, foi o cartel rival, o de Medellín, que conseguiu a maior glória do continente. Sob os olhares do narcotraficante Pablo Escobar, o Atlético Nacional venceu a Libertadores de 1989; o triunfo, no entanto, começou a evidenciar ações criminosas no futebol.
Na semifinal, contra o Danúbio (Uruguai), o árbitro argentino Juan Bava revelou ter sido ameaçado por homens fortemente armados por ter se recusado a receber suborno. Algo parecido ocorreu na decisão, na qual jogadores do Olympia (Paraguai) afirmaram ter sido ameaçados de morte. 
Carnificina 
O caso foi o primeiro de milhares. Acredita-se que 1.500 pessoas, entre elas árbitros, jogadores, dirigentes e jornalistas foram assassinados a mando de Escobar. Farias, em seu livro, aponta ainda a morte de Uriel de Jesús, abatido em campo quando ia marcar um gol, como um dos casos mais emblemáticos.
Apesar da carnificina na qual havia se tornado o futebol colombiano, foi a morte de Pablo Escobar, em 1993, que iniciou o novo declínio da modalidade no país, representada, principalmente, pela eliminação precoce na Copa do Mundo de 1994.
“A morte de Escobar abalou a seleção em 1994. Ele era líder de Medellín e protetor daquele time que, por algum motivo, não era bem visto por outros carteis. Sem Pablo, as ameaças seguiram e, sem ninguém para os proteger, os atletas não corresponderam”, pensa Vickery .
Protagonista da desclassificação, o zagueiro Andres Escobar foi assassinado no retorno da equipe ao país. O caso ganhou as manchetes de todo o mundo e marcou o arrocho no combate do Estado ao narcotráfico. 
‘Limpo e pobre’ 
Com a fragmentação dos carteis, o dinheiro, antes abundante, deixou de dar aporte ao futebol. Entre os clubes, há um jejum atual de 10 anos sem uma final sequer de Libertadores – Once Caldas foi campeão em 2004 – e a seleção chegou a ficar 16 anos sem disputar uma Copa do Mundo, voltando apenas em 2014 e tendo como única glória a conquista da Copa América-2001.
“É difícil afirmar que o narcotráfico esteja separado do esporte. Hoje, talvez, os traficantes estejam mais profissionais e menos espalhafatosos. Ainda assim, o futebol é muito mais limpo e, por isso, bem mais pobre”, define o momento, Tim Vickery. 

ART JOG
Eduardo Buchholz
Repórter


Diário do Nordeste

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