4 de maio de 2014

Escassez de água causa queda de 35% na produção de coco no Vale do Curu

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Colono do Perímetro Irrigado Curu-Pentecoste, produtor Francisco Lopes, diz que a alternativa tem sido captar água dos poços profundos
FOTOS: NATINHO RODRIGUES
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Açude Pentecoste, que abastece parte da região do Vale do Curu, está com apenas 3% de sua capacidade
Em mais um ano de poucas chuvas, a produtividade associada ao manejo agrícola que demanda muita água está em tempos mais difíceis. Mas isso representa a maioria dos perímetros irrigados do Ceará. Produtores reclamam dos órgãos de governo pela redução ou mesmo corte no fornecimento de água. As instituições, por sua vez, explicam que, com tão pouca água, a prioridade é o abastecimento humano. A intenção é de que, pelo menos em períodos como o atual, a fatia de água para consumo doméstico seja maior em muitos açudes do que a disposta para a produção irrigada de alimentos.
Tem coco, mas com a escassez de água o produto está mais caro e menor. "Aqui, só o que aumenta é o preço", diz o agricultor Antônio José, do perímetro irrigado Curu-Paraipaba, neste município. A "terra do coco" tem sofrido tempos de agonia, com queda de aproximadamente 35% na produtividade por hectare, com tendência de piora.
Em mais de 5 mil hectares de produção de coco, cerca de 800 colonos que 2014 estão mais um ano com perda de produção.
Produtividade
Cada coqueiro recebia, em média, 280 litros de água por micro aspersão. Com a queda no fornecimento de água, o valor cai para 100 litros de água - e geralmente quando chove. Com isso, o coco diminui em tamanho e o coqueiro em produtividade. De 12 mil cocos por mês, o produtor Antônio José só está tirando em média 3,5 mil unidades no mesmo período. A redução reflete no preço: a fruta que partia da colheita a R$ 0,15 centavos está custando hoje próximo de R$ 1, mesmo de menor tamanho.
A produtividade cai ainda mais porque se está no quarto mês seguido de corte no fornecimento de água do Açude Pentecoste. A saída encontrada por colonos e produtores particulares é captar água de lagoas e poços. Mas para a maioria a única opção é mesmo a água das chuvas, que já são poucas.
O reservatório, por sua vez, está a minguados 3,8% de volume armazenado, o que já o coloca em situação de colapso. Em maio de 2013, quando já havia racionamento de água para o perímetro irrigado, o açude mantinha 18% da capacidade, volume já bastante crítico. Era quando Antônio José e os demais colonos do perímetro conseguiam irrigar por até quatro horas por dia. "Hoje está zero, está nada", lamenta o produtor. Isso porque a frequência média de vazão três anos atrás permitia até 10 horas de irrigação por dia.
Açude Pentecoste
Em Pentecoste, o perímetro irrigado, que fica próximo ao açude que leva o nome da cidade (o nome verdadeiro e pouco conhecido é Pereira Miranda), a situação é a mesma. Alguns colonos ainda conseguem tirar água de poços profundos, como Francisco Lopes de Paiva, só conhecido por Chico Miúdo. Ele reclama que os outros colonos do perímetro-irrigado Curu-Pentecoste não se prepararam para o pior. Mas quando viu que os poços "não dão vença", viu que o pior está atingindo a todos.
Os coqueiros estão crescendo devagar, a fruta está menor, mas as folhas que vão secando ele vai tirando para não atrapalhar o nascimento de mais unidades. Chico Miúdo tem 89 anos. Viúvo há cinco, faz dos seus quatro hectares de colono a companhia o dia todo. "Ficaria bom se chovesse", admite.
Outro Francisco, o Evaristo, morador da comunidade de Malhada, à beira do Açude Pentecoste, lamenta que "só agora" tenham se preocupado com diminuir a água para plantação. "Já está chovendo pouco, se não tivessem tirado tanta água para irrigação, talvez mesmo o pouco que tem não fosse problema pra abastecer", lamenta.
Espera
De acordo com Marcílio Caetano, gerente de fiscalização da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos, o primeiro semestre já não é de muita demanda irrigada justamente por esperar que a chuva resolva o período.
O problema é que a espera já dura três anos - após 2009, quando em 13 de abril daquele ano o açude sangrou ao atingir seus 395 milhões de metros cúbicos. De lá para cá, praticamente esvaziou. "O volume que se vê no açude é praticamente formado pelo pouco que choveu", afirma Marcílio Caetano.
Após um ano de racionamento, seguido do corte da liberação de água no dia 5 de janeiro deste ano, os plantios no perímetro-irrigado Curu-Paraipaba tem vivido momentos bem diferentes de quando só havia orgulho ao se chamar "Terra do Coco".
O Vale do Curu é o maior centro de produção desta fruta no Ceará. Os produtores ainda estão contabilizando os números referentes à produção dos dois últimos anos. Em 2011, o Estado ainda respondia por mais de 16% de todo o coco produzido no País.
Irrigação já teve 96% do fornecimento
Pentecoste Tradicionalmente, a bacia hidrográfica do Vale do Curu, com 13 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), foi a que mais cedo sofreu com a falta de recarga pelas chuvas nos três últimos anos de seca. De acordo com o gerente estadual de fiscalização da Cogerh, Marcílio Caetano - que já foi gerente na Bacia do Curu, cerca de 96% da demanda de água dos reservatórios se dava para a irrigação, ficando apenas 4% para o abastecimento humano.
Foi só com a seca que os números se inverteram. De reservatório sangrando para a festa de milhares de pessoas no histórico dia 13 de abril de 2009, o Açude Pereira Miranda está com apenas 3% da capacidade. "E graças às chuvas que caíram nos últimos dois meses", complementa Marcílio Caetano. Acima desse, e mesmo assim secando, somente os açudes Escuridão (17%), em Canindé, e os açudes Itapajé (23%) e General Sampaio(8%), nos municípios homônimos.
A comunidade de Malhada, à beira do Açude Pentecoste, vive uma realidade paradoxal. Além do abastecimento, a falta de água afeta a travessia que liga o povoado ao Centro da cidade. "Sei que muita gente vive situação muito pior, que não tem água nem na vista. Mas não é fácil ver esse açude cheio, sangrando de água, pra uma cena dessa agora. Há muito tempo deviam ter resolvido alguma coisa", lamenta o morador Francisco Evaristo.
Enquanto isso, o volume total armazenado nos reservatórios públicos do Estado é de apenas 32,6% - excluindo o Açude Castanhão, que atende Vale do Jaguaribe e parte da Região Metropolitana de Fortaleza, esse volume total de reserva se limitaria a drásticos 18% da capacidade. Significa que é esse volume o que sobra armazenado em diversos açudes para todo o restante do Estado. No total, 98 açudes estão em Estado de alerta, com menos de 30% da capacidade.
"A gente vem buscando uma gestão da água desde 97. Mas desde 2010 a bacia vem perdendo água. Somente no ano passado, tivemos uma redução para todo o vale de 50% do que conseguíamos fornecer antes.
Proibição
A bacia do Curu representa apenas 1% de toda a água ainda armazenada nos açudes do Estado. Especificamente em relação a essa bacia, uma reunião realizada em março pelos comitês de bacias junto à Cogerh se concluiu que manter a proibição de água para agricultura era a melhor, senão única, saída para segurar o máximo de tempo possível o pouco de água que se tem.
Consome muita água o sistema de microaspersão, pelo qual são abastecidos os cerca de 350 mil pés de coco no Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba.
Uma nova reunião será realizada em junho para discutir sobre a possível liberação diante do volume acumulado de água. "É quando a situação deverá ser mais crítica", antevê Marcílio Caetano, gerente de fiscalização da Cogerh. "Até 2012, era possível atender todo mundo e praticamente essa demanda de 96% para irrigação. Hoje, não".
Outros perímetros públicos irrigados ainda mantêm a demanda, sem maiores prejuízos. É o caso do Jaguaribe-Apodi, em Limoeiro, Tabuleiro de Russas, em Russas, e o Perímetro do município de Morada Nova, por estarem na área que comporta o açude Castanhão.
Com 2,6 milhões de metros cúbicos, o Castanhão possui cerca de 40% de toda a água armazenada no Ceará. No mesmo período do ano passado estava com 51% de reserva.
De acordo com Sérgio Baima, da diretoria de agronegócio da Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece), a perfuração de poços profundos é uma das principais demandas do setor de produção de cocos no Ceará.
Os maiores produtores de coco do Ceará estão nos municípios de Acaraú, Amontada, Beberibe, Camocim, Cascavel, Itapipoca, Itarema, Paraipaba, Pentecoste e Trairi.
Parte do produto abastece o mercado internacional, sendo para os Estados Unidos a maior oferta desta produção.
Mais informações:
 
Companhia de Gestão dos Recursos  Hídricos (Cogerh)
Rua Adualdo Batista, 1550 - Parque Iracema
Telefone: (85)3218.7020

Melquíades Júnior
Repórter
DN

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